[O que é] software? e software livre?

No último post falamos sobre as consequências que algoritmos podem ter quando usados em escala sem explicitamente combater desigualdades, já leram? Depois de escrever aquele texto, pensamos que valia a pena falar um pouco sobre alternativas digitais para a construção de tecnologia para o bem comum.

Tecnologia quer dizer muita coisa, mas de maneira resumida podemos dizer que tecnologia é o uso de técnicas e conhecimentos para resolver um problema ou realizar uma tarefa. Ou seja, a maioria das nossas atividades diárias requer algum nível de tecnologia, desde cozinhar uma comida até mexer no computador.

Mas então o que é software? 

É a lógica usada para manipular ferramentas físicas. Essa lógica fica gravada na ferramenta através de código. Nessa imagem você pode ver um pouco do que é um computador por dentro:

Um monte de circuitos, né? Quando olhamos para dentro de um celular, veremos algo similar. Esses circuitos são apenas conexões elétricas que sozinhas não fazem nada.

O software é quem diz como o circuito deve se comportar quando você quer ver as mensagens do whatsapp que chegaram: Você vai clicar no ícone do whatsapp, vai aparecer as mensagens enviadas pela internet para a placa de rede do celular e exibidas no aplicativo do teu celular.

Complicado? Bem, o importante aqui é entender que essa camada de lógica que conecta o clique no botão até o recebimento de mensagens (e muito mais) é software. E software é feito de um monte de código.

E o que é software LIVRE?

A definição oficial é: software livre é um código em que os usuários possuem a liberdade de executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar. O que quer dizer é que é um código que as pessoas tem permissão para olhar e mudar.  (Fonte: Categorias de softwares livres e não livres – GNU)

É importante destacar que software livre não significa software gratuito, o ‘livre’ não é somente uma questão monetária, mas tá ligado à ‘liberdade de expressão’. A maioria das ferramentas que utilizamos no nosso dia-a-dia, embora sejam gratuitas como as redes sociais, email, aplicativos, não são livres. 

Segundo a Shoshana Zuboff no seu livro ‘A era do capitalismo de vigilância’ várias dessas ferramentas gratuitas como Instagram, Facebook, Google, têm utilizado informações sobre nossos comportamentos nas redes para ter previsibilidade sobre comportamentos futuros. Além da previsibilidade, esses aplicativos têm tentado mudar nossos futuros comportamentos.

É como ir num lugar que a entrada é gratuita mas o espaço não é público e que pode ter câmeras de vigilância te acompanhando durante o passeio e vendedores que já sabem o que você gosta tentando te induzir a comprar algo.

O fato é que não temos acesso a como essas ferramentas são desenhadas, que parâmetros consideram, quais informações pessoais elas armazenam e qual o uso. O que protege essa informação é uma série de direitos sobre a propriedade intelectual do código que foi utilizado para a construção, então o que nos resta acaba sendo observar os efeitos no nosso dia a dia.

No software livre é possível entender como a ferramenta se comporta e garantir que o uso não seja indevido, respeitando princípios de privacidade e autodeterminação das pessoas. Muitos ativistas do software livre apontam que as ferramentas abertas são ainda mais seguras e imunes a ataques de hackers.

Redes sociais livres, software livre de modo geral, é baseado na colaboração das pessoas. Alguns exemplos de software livre que você já pode ter ouvido falar: Wikipedia, Mozilla Firefox, Apache OpenOffice, LibreOffice, etc.

O caso de Aaron Swartz

Um grande ativista do Software Livre foi o Aaron Swartz. Desde os 16 anos Aaron fazia contribuições em projetos de código aberto. Para ele, a informação e o conhecimento deveriam ser democratizados, para isso, o Aaron tinha um projeto chamado Open Library onde ele disponibiliza artigos científicos que tinham acesso restrito de maneira gratuita na internet. Por isso, Aaron sofreu perseguição da polícia e ficou preso por um tempo. Tem um filme muito legal sobre a vida dele no youtube que vale a pena assistir: The Internet’s Own Boy: The Story of Aaron Swartz

Dica para entender mais do assunto: Tem um episódio da série Explicando, da Netflix, sobre código de programação, 30 minutinhos e bem didático, recomendamos!

Links:

https://www.gnu.org/philosophy/categories.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Rede_social_livre

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Entenda como algoritmos interferem nas suas decisões – e até no seu futuro

No texto anterior (já leu? Se não, clica aqui) falamos um pouco sobre o que é um algoritmo e como não existe neutralidade nas decisões tomadas de forma automatizada.  

Então como evitamos que decisões injustas sejam tomadas? Como podemos prever se um algoritmo pode ter consequências indesejadas?

Pra responder essas perguntas acreditamos que vale a pena pensarmos sobre o impacto que um algoritmo pode ter na vida das pessoas. 

Vamos começar falando de redes sociais. 

O objetivo das empresas que as criaram é fazer com que passemos o maior tempo possível vidrados na rede. Quanto mais tempo passamos em em uma rede social, mais anúncios vemos e mais dados nossos podem ser coletados (o que curtimos? Que tipo de conteúdo passamos mais tempo olhando? E por aí vai).

Essas são as principais fontes de renda de empresas como Facebook, dona também do Instagram. O que significa que o algoritmo da rede vai ser desenhado de acordo com esse objetivo: te deixar o maior tempo possível interagindo com a rede social.

Para te manter engajada, a empresa utiliza informações das suas usuárias que podem ir desde posts que a pessoa curtiu e comentou até informações pessoais, localização, idade, gênero, círculo social. 

Nós não temos como saber exatamente quais de nossas informações estas redes utilizam e nem como. E isso nos preocupa. 

O caso da Cambridge Analytica

A Cambridge Analytica criou um teste de personalidade aparentemente inofensivo e ofereceu o teste para usuárias do Facebook. Ao fazer isso, a empresa não só coletava as respostas do teste, como também as informações do perfil (bem como do perfil de amigos) na rede social. 50 milhões de pessoas tiveram suas informações pessoais do Facebook entregues para a Cambridge Analytica, que é na verdade uma empresa de marketing político.

Além de pegar informações de quem preencheu o teste, a empresa também teve acesso à rede de contatos dessas usuárias e usou essa massa de dados para criar perfis psicológicos que indicavam a intenção de voto de cada pessoa. O objetivo era direcionar e aumentar os votos do candidato à presidência Donald Trump. Não é possível afirmar que essa é a causa da vitória de Trump nas eleições, mas certamente foi uma ferramenta que ajudou muito.

Além da coleta e uso de dados para direcionar o comportamento das usuárias de rede sociais. 

O caso dos tribunais dos EUA

Esse outro exemplo ilustra bem como ferramentas automatizadas podem ter implicações sociais danosas: Nos EUA tribunais começaram a utilizar um programa para classificar réus de maneira “automática”. Um software proprietário foi adquirido de uma empresa privada e implementado em diversos estados. Esse software prometia uma análise mais imparcial do que a feita por uma pessoa.  A Pro Publica fez uma pesquisa completa sobre esse assunto que você pode ler aqui

O resultado do uso desse software foi que pessoas negras eram consideradas mais perigosas que pessoas brancas independente do histórico criminal. 

O problema de não saber como o algoritmo toma decisão

Quando falamos de software de código fechado, como os mencionados nos dois exemplos acima, estamos falando de algoritmos que desconhecemos os parâmetros. Não temos como saber exatamente o que aquele software foi desenhado para fazer. 

Esse é o tipo de software utilizado pelas grandes empresas de tecnologia. Facebook, Google, Youtube, Uber não divulgam como construíram o seu software, quais informações elas utilizam e para o quê. Assim, ficamos vulneráveis à tomada de decisão dessas empresas. Não sabemos que parâmetros o Uber utiliza para calcular o valor da corrida, não sabemos como o Youtube recomenda vídeos, não sabemos como o Google rankeia o conteúdo na internet. O que fazemos é observar e confiar que essas empresas estejam sendo transparentes com suas usuárias.

Quando a construção de software é financiada pelo setor privado, a tendência é que o objetivo esteja conectado a interesses privados (lucro) e não o bem comum. 

O que significa que entender esses interesses é um ponto de partida importante.

Sabemos que é importante que uma mudança sistêmica, inclusive através de regulamentações, aconteça. E sabemos também que usar as redes sociais de forma consciente é algo praticamente impossível.

Jonathan Crary ilustra isso muito bem no livro 24/7: Capitalismo Tardio e os Fins do Sono, onde diz que ““é totalmente impossível que o sujeito do dispositivo o use ‘de modo correto’”, e mostra como nossa atual sociedade usa a tecnologia para fazer com que a gente sinta que precisa estar conectado e responsivo o tempo todo. Além de fazer com que possamos consumir a qualquer hora e local, e que com o tempo passemos a nos sentir culpados até por dormir. 

Ele mostra que um adulto norte-americano médio dorme agora aproximadamente seis horas e meia por noite, uma redução do patamar de oito horas da geração anterior e (por incrível que pareça) de dez horas do começo do século XX.

No texto da semana que vem falaremos sobre uma possível alternativa: os softwares de código aberto. 

Até lá 🙂

[o que é] um algoritmo?

Cena clássica: você tá lá assistindo um vídeo no Youtube e a pessoa dona do canal larga aquele texto que todo mundo já sabe de cor: “dá um like aqui, se inscreve no canal, compartilha o vídeo e comenta aqui embaixo”. 

É meio pentelho né? Mas tem uma razão pras pessoas fazerem isso. 

Todas essas ações ajudam o algoritmo daquela rede social a entender que aquele conteúdo é relevante e o distribuir para uma audiência maior.

Mas vamos lá, o que é exatamente um algoritmo?

Pedimos perdão, mas não vamos fugir do exemplo clássico.

Um algoritmo é como… é como o que? O que? Mais alto! (kkkkk) Um algoritmo é como uma receita de bolo: uma série de instruções para completar uma tarefa. Neste caso, fazer um bolo. A depender da complexidade do bolo, a receita pode precisar de mais ou menos passos. Em um algoritmo é a mesma coisa: As instruções podem ser simples como ‘Desligue o computador’ ou podem conter inúmeros passos e variáveis a levar-se em conta. 

Vamos usar o caso do Youtube pra exemplificar isso tudo um pouco melhor. 

Imagine um passo-a-passo como o seguinte:

1- pegue todas as postagens que ocorreram na última hora
2- Dê uma nota de 0 a 10 para as postagens.
Para isso, considere:
Número de likes
Número de comentários
Quantas vezes a postagem foi compartilhada 
Número de seguidores que o autor da postagem tem
3- Recomende as postagens que tem maior nota para pessoas que ainda não as visualizaram

Voilá: Isso é um algoritmo.

Toda vez que alguém diz que o “algoritmo tomou uma decisão”, isso significa que algum ser humano criou parâmetros e ordens, que foram traduzidos usando uma linguagem de programação para que um computador pudesse executar essas ordens. 

O que isso quer dizer, então? Não existe neutralidade em uma tomada de decisão por ela ter sido executada através de um algoritmo. E esse é um argumento muito utilizado atualmente. “Ah, mas a decisão foi tomada pelo computador”. Foi tomada pelo computador, que seguiu as ordens dadas por um ser humano.

Vamos usar um pequeno exemplo? É o último, prometemos.

Alguns bancos decidiram usar algoritmos para facilitar a análise de crédito dos seus clientes ou clientes em potencial. A justificativa é de que isso possibilitaria uma análise e decisão neutra sobre quem poderia receber crédito e a que taxa de juros.

Sabem o que se descobriu? Que o seu CEP é um dos critérios que o algoritmo leva em conta para te conceder crédito. E que os CEPs correspondentes a bairros mais pobres, onde pessoas negras e latinas moram, levavam a nota da pessoa para baixo. 
(fonte: The Guardian)

E aí? Se a decisão é tomada por um algoritmo quer dizer que ela é imparcial?

A gente acredita que não. Por que todo algoritmo é criado por um ser humano e carrega consigo os parâmetros que essa pessoa (ou instituição) decidiu que deveria carregar.

De acordo com Virginia Eubanks “Quando as ferramentas automatizadas de tomada de decisão não são construídas para desmantelar as desigualdades estruturais. sua velocidade e escala as intensificam”.

Essa preocupação levou um grupo de pessoas programadoras a criar a ferramenta EthicalOS que ajuda a prever e mitigar consequências não intencionais de tomadas de decisão automatizadas.

Algoritmos impactam direta ou indiretamente nossas vidas e, na nossa visão, nos apropriar desse conhecimento e de como funcionam essas ferramentas, é um meio para construir um futuro em que a tecnologia melhore a vida das pessoas ao invés de reforçar e intensificar as desigualdades já existentes.

Snowden: um resumão.

As revelações feitas pelo Snowden em 2013  impactaram o mundo imensamente. Resolvemos fazer aqui um resumão sobre essa história, pra que ela seja mais acessível a todas as pessoas. A intenção é que em 3 ou 4 minutos você leia esse texto e possa ter pelo menos uma noção do que aconteceu. Deixaremos aqui também referências para que você possa se aprofundar no assunto, caso deseje.  Bora lá?

Snowden, quem é?

O Snowden é um tecnologista que trabalhou para a NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos) e que decidiu vir a público com denúncias relacionadas à espionagem realizada pelos EUA. Ele fez essas revelações através da grande mídia, trabalhando junto do jornalista Glenn Greenwald em uma estratégia de publicação de documentos nos jornais The Guardian e Washington Post de forma a conseguir ter atenção global para o assunto.

Principais Revelações:

  1. A principal revelação do Snowden foi o programa PRISM. Snowden revelou documentos que mostram o acordo entre a NSA e as maiores empresas de internet do mundo: Facebook, Yahoo!, Apple, Google, Microsoft, PalTalk, AOL, Skype, Youtube. Esse programa permitia a coleta de dados diretamente dos servidores dessas empresas. 
    [no livro você pode ler como era a relação da NSA com essas empresas]

    Entender que a NSA tinha acesso direto aos servidores de 9 das maiores empresas de internet da época bem como a cooperação dessas empresas para com a Agência fez com que pessoas do mundo todo repensassem a forma como enxergam sua presença online. 
    Grandes discussões sobre o direito à privacidade também foram levantadas, já que essa espionagem fere o direito individual de milhões de cidadãos. 
  2. Além do programa PRISM, Snowden revelou documentos do programa STORMBREW, que prova a coleta de dados através da interceptação direta dos cabos de fibra ótica (falamos deles aqui, lembram?).

    Vale lembrar a problemática de que a maioria dos backbones, ou cabos transoceânicos, passam pelos EUA. O que favorece e facilita muito essa interceptação de dados, resultando em coletas de dados gerados em inúmeros países.

Esses dois programas juntos possibilitavam que a NSA cumprisse o seu objetivo, revelado também por Snowden, de “coletar tudo”.  

A grande justificativa para coleta de dados pela NSA era o anti-terrorismo. Com essas revelações, fica explícito que uma porcentagem importante dos programas não tinha nada a ver com isso, e que a NSA realiza(va) espionagem econômica, diplomática além de vigilância de populações inteiras sem qualquer justificativa para tal

“O governo dos Estados Unidos construíra um sistema cujo objetivo é a completa eliminação da privacidade eletrônica do mundo inteiro. Longe de ser uma hipérbole, esse é o objetivo literal e explicitamente declarado do Estado de vigilância: coletar, armazenar, monitorar e analisar todas as comunicações eletrônicas de todas as pessoas ao redor do mundo “. 

O bordão “coletem tudo” era usado pelo principal responsável pela operação da NSA, e no livro publicado pelo jornalista Glenn Greenwald (informações completas abaixo) é possível ver os slides criados com as estratégias para que “coletar tudo” se tornasse possível. 

Outros programas importantes que também foram revelados por Snowden:

3. Programa “Boundless Informant”: mostra como a NSA contabiliza com exatidão todas as chamadas e todos os e-mails coletados todos os dias no mundo inteiro. Em apenas trinta dias, a unidade coletara dados sobre mais de 97 bilhões de emails e 124 bilhões de chamadas no mundo inteiro. 

4. Projeto “Muscular”:  torna possível invadir as redes pessoais do Google e do Yahoo!

5. Projeto “Fairview”: parceria com uma empresa de telefonia para coleta de informações de chamadas telefônicas.

6. Aliança dos cinco olhos (“Five Eyes”): entre Estados Unidos e Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Esses países também fornecem/iam dados para a NSA.

7. A NSA também realiza espionagem diplomática, e um caso que ficou famoso foi de vigilância da então Presidente do Brasil Dilma Rousseff bem como da Angela Merkel e do Enrique Peña Nieto.  

O Snowden trouxe à publico inúmeros documentos que provam essas e dezenas de outras operações da NSA. Para saber mais recomendados o livro, que também foi fonte para escrevermos esse texto, “Sem lugar para se esconder” do Glenn Greenwald.


Impacto dessas revelações:

Mesmo antes desses documentos virem à tona, já era sabido que os EUA espionavam digitalmente outros países e pessoas. Os documentos provaram não só a veracidade do que já se desconfiava como também mostraram que os esquemas de espionagem eram ainda mais abrangentes do que se imaginava. 

Essas revelações levantaram importantes discussões sobre privacidade, e foram capazes de levar para a população em geral conhecimento sobre como os Estados Unidos e grandes empresas de tecnologia usam dos nossos dados para obter maior poder político. Em nossa visão, as revelações do Snowden, junto com as revelações feitas pelo WikiLeaks (pra saber mais clica aqui), foram centrais para se criar a visão e as políticas de privacidade de dados que vemos hoje. 

Além disso, através desses documentos pode-se enxergar como a vigilância de indivíduos tem um impacto político e econômico, e que a preocupação com vigilância na internet deveria ser de todos nós pois é algo que impacta a sociedade como um todo. 

Ao publicar esses vazamentos Snowden abriu mão de sua liberdade. Ele atualmente encontra-se em asilo político concedido pela Rússia e publicou recentemente um livro em que conta a sua história, a decisão de expor para o mundo o que era feito pelo governo dos Estados Unidos e também como ele encarou tudo que aconteceu depois disso.

“Argumentar que você não se importa com seu direito à privacidade pois não tem nada a esconder não é diferente de dizer que você não se importa com liberdade de expressão pois não tem nada a dizer”. Edward Snowden, tradução livre.

Dicas de Leitura:
-Sem lugar para se esconder, Glenn Greenwald
-Eterna Vigilância, Edward Snowden

Filmes e Documentários:
-CitizenFour
-Snowden: herói ou traidor?

Internet: por todos e pra todos?

A medida em que a internet foi se popularizando no mundo, acreditou-se que ela facilitaria a democratização do conhecimento e nos aproximaria uns dos outros, independente de nossa localização. De fato a internet encurtou distâncias e deu voz a quem, no passado, não tinha. Mas ainda nos deparamos com inúmera barreiras, sendo duas delas bem expressivas: A atual centralização da internet por um pequeno grupo de empresas gigantescas e o fato de o acesso à rede ser uma realidade apenas para quem tem recursos financeiros

O problema da centralização da internet

Para explicar esse primeiro aspecto, vamos usar um exemplo: ao pesquisar um assunto no Google, a ferramenta decide quais páginas serão exibidas sobre esse assunto, ou seja, quais perspectivas e narrativas serão contadas. O que acontece na prática é que alguns sites e conteúdos (especialmente aqueles que investem em propaganda na plataforma) vão ter muito mais acesso do que outros.

Nas redes sociais um efeito parecido também acontece: o conteúdo que você tem acesso é selecionado conforme o seu tipo de engajamento naquela rede. Por exemplo: se você costuma seguir páginas e pessoas que falam sobre alimentação saudável, a tendência é que os anúncios reproduzam esses interesses. A lógica por trás disso é bem simples: manter você o máximo de tempo possível interagindo com a rede social.

Mas porque e pra que? É assim que empresas como Facebook (dona também do Instagram) ganham dinheiro. O modelo de negócio funciona de maneira análoga a uma isca de peixe: Eles mapeiam os interesses dos usuários e exibem conteúdos atraentes para causar uma experiência positiva e prazerosa e mantê-los engajados. Quanto mais tempo você fica, mais anúncios eles conseguem incluir nessa experiência e, consequentemente, mais dinheiro ganham.

E isso pode contribuir para que se crie visões distorcidas de realidade como quando, por exemplo, você pensa e sente que todo mundo está falando sobre determinado assunto ou tem uma determinada opinião.

As buscas do Google e as redes sociais do Mark Zuckerberg nos trouxeram inúmeros benefícios e praticidades, isso é inegável. O que estamos questionando aqui é termos duas empresas ditando o conteúdo de grande parte da internet. E com isso vemos pesquisas, como essa feita pela Mozilla, que mostra que 55% dos brasileiros acreditam que o Facebook é a internet

O problema do acesso à internet

No Brasil, 25% da população não tem acesso à internet e no mundo esse número é bem maior: 49% da população mundial não tem acesso à internet. Democratizar o acesso é um interesse tanto nosso quanto de grandes empresas de tecnologia, pois quanto mais pessoas estão dentro dessas redes, maior o valor que eles podem cobrar por anúncios.

O Facebook, por exemplo, criou uma “ação filantrópica” para levar internet à locais da Índia até então desconectados. Eles pagariam por toda a estrutura de internet PORÉM as pessoas só teriam permissão para acessar um número restrito (26) de sites, escolhidos pelo próprio Facebook. A estrutura estaria lá, mas as pessoas não poderiam estudar, ler portais de notícias, procurar emprego ou trocar email com familiares. Elas só poderiam acessar sites que, de alguma forma, trariam lucro pra empresa. Essa iniciativa causou grande comoção na população da Índia e do mundo, por ferir o princípio de neutralidade de rede (segura aí que falaremos sobre isso em outro texto), e foi banido – em grande parte graças à pressão popular.

Para saber mais sobre o caso desse projeto, que se chamava internet.org (até o nome dá a entender que o Facebook é a internet, né?) e depois passou a se chamar Free Basics, recomendamos a leitura desse artigo super completo do The Guardian. Existiram também tentativas de trazer essa iniciativa pro Brasil, com direito a foto da Dilma abraçada no Mark Zuckerberg e tudo. 

Vale lembrar que a internet da forma que conhecemos hoje já completou 30 anos e ainda temos quase metade do mundo excluído dessa rede, e, se depender das gigantes de tecnologia, as pessoas só terão acesso se isso gerar lucro. E é aí que entra a importância de pressionar os governos para que o direito ao acesso irrestrito à internet seja garantido a todas as pessoas. 

O que se esperava com a criação da World Wide Web (o famoso www)

Bom, mas tudo bem se você não nos der muita credibilidade: afinal, quem somos nós na fila do pão né? Então achamos que valia a pena falar sobre o Tim Berners-Lee. O Tim (intímas kkkkk) foi o criador da World Wide Web, o famoso www. Foi através do trabalho dele que a internet passou a ser acessível pra uso comercial e passou a fazer parte da vida de uma grande parcela da população.

O Tim Berners-Lee criou o www, mas ele não é o dono da internet. Isso porque ele nunca quis patentear a internet. Ele queria que a internet fosse livre e aberta. Que servisse para que o conhecimento fosse disseminado por todos e pra todos. Inclusive, seu intuito inicial era ajudar cientistas a se conectar e assim colaborarem entre eles. “This is for everyone” (isso é para todo mundo), é a frase que ele costuma usar e que inclusive foi usada por ele na sua participação na abertura das Olímpiadas em Londres. 

E aí que a World Wide Web completou 30 anos em 2019, e nesse mesmo período o Tim veio a público falar sobre as inúmeras maneiras em que a internet falhou. 

“É compreensível que muitas pessoas sintam medo e não tenham certeza de que a internet é realmente uma força para o bem. Mas dado o quanto a web mudou nos últimos 30 anos, seria derrotista e sem imaginação assumir que a web como conhecemos hoje não possa ser mudada para melhor nos próximos 30 anos. Se desistirmos de construir uma internet melhor agora, então não será a internet que terá falhado conosco. Nós teremos falhado com a internet. ”
(tradução livre)

O que fazer?

Junto dessas declarações, o Tim Berners-Lee lançou um novo projeto, que visa re-descentralizar a internet, ou seja, tirar o fluxo de informação da mão das grandes empresas e redistribuí-lo. Pra isso ele criou a Solid:

“A Solid muda o modelo atual, em que os usuários precisam entregar dados pessoais a gigantes digitais em troca de valor percebido. Como todos nós descobrimos, isso não tem sido feito com nossos interesses em mente. Solid é como evoluímos a web para restaurar o equilíbrio – dando a cada um de nós o controle total sobre os dados, pessoais ou não, de uma forma revolucionária.”
(tradução livre, texto original está aqui).

Além desse projeto do Tim Berners Lee, muitas outras iniciativas nesse sentido estão rolando. Se essa conversa sobre democratizar e descentralizar a internet te interessou, aqui vão duas dicas de coisas que você pode fazer agora:

  1. Testar o duck duck go. Um serviço de busca que prioriza a sua privacidade . Talvez você possa trocar o google por ele por uma semana e ver o que você acha 🙂  
  2. Dar uma olhada nas inúmeras iniciativas e projetos com o objetivo de descentralizar a web. No Redecentralize você encontra inúmeras informações sobre isso. E, caso esteja familiarizado com o GitHub, aqui você pode inclusive buscar formas de contribuir.