[O que é] software? e software livre?

No último post falamos sobre as consequências que algoritmos podem ter quando usados em escala sem explicitamente combater desigualdades, já leram? Depois de escrever aquele texto, pensamos que valia a pena falar um pouco sobre alternativas digitais para a construção de tecnologia para o bem comum.

Tecnologia quer dizer muita coisa, mas de maneira resumida podemos dizer que tecnologia é o uso de técnicas e conhecimentos para resolver um problema ou realizar uma tarefa. Ou seja, a maioria das nossas atividades diárias requer algum nível de tecnologia, desde cozinhar uma comida até mexer no computador.

Mas então o que é software? 

É a lógica usada para manipular ferramentas físicas. Essa lógica fica gravada na ferramenta através de código. Nessa imagem você pode ver um pouco do que é um computador por dentro:

Um monte de circuitos, né? Quando olhamos para dentro de um celular, veremos algo similar. Esses circuitos são apenas conexões elétricas que sozinhas não fazem nada.

O software é quem diz como o circuito deve se comportar quando você quer ver as mensagens do whatsapp que chegaram: Você vai clicar no ícone do whatsapp, vai aparecer as mensagens enviadas pela internet para a placa de rede do celular e exibidas no aplicativo do teu celular.

Complicado? Bem, o importante aqui é entender que essa camada de lógica que conecta o clique no botão até o recebimento de mensagens (e muito mais) é software. E software é feito de um monte de código.

E o que é software LIVRE?

A definição oficial é: software livre é um código em que os usuários possuem a liberdade de executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar. O que quer dizer é que é um código que as pessoas tem permissão para olhar e mudar.  (Fonte: Categorias de softwares livres e não livres – GNU)

É importante destacar que software livre não significa software gratuito, o ‘livre’ não é somente uma questão monetária, mas tá ligado à ‘liberdade de expressão’. A maioria das ferramentas que utilizamos no nosso dia-a-dia, embora sejam gratuitas como as redes sociais, email, aplicativos, não são livres. 

Segundo a Shoshana Zuboff no seu livro ‘A era do capitalismo de vigilância’ várias dessas ferramentas gratuitas como Instagram, Facebook, Google, têm utilizado informações sobre nossos comportamentos nas redes para ter previsibilidade sobre comportamentos futuros. Além da previsibilidade, esses aplicativos têm tentado mudar nossos futuros comportamentos.

É como ir num lugar que a entrada é gratuita mas o espaço não é público e que pode ter câmeras de vigilância te acompanhando durante o passeio e vendedores que já sabem o que você gosta tentando te induzir a comprar algo.

O fato é que não temos acesso a como essas ferramentas são desenhadas, que parâmetros consideram, quais informações pessoais elas armazenam e qual o uso. O que protege essa informação é uma série de direitos sobre a propriedade intelectual do código que foi utilizado para a construção, então o que nos resta acaba sendo observar os efeitos no nosso dia a dia.

No software livre é possível entender como a ferramenta se comporta e garantir que o uso não seja indevido, respeitando princípios de privacidade e autodeterminação das pessoas. Muitos ativistas do software livre apontam que as ferramentas abertas são ainda mais seguras e imunes a ataques de hackers.

Redes sociais livres, software livre de modo geral, é baseado na colaboração das pessoas. Alguns exemplos de software livre que você já pode ter ouvido falar: Wikipedia, Mozilla Firefox, Apache OpenOffice, LibreOffice, etc.

O caso de Aaron Swartz

Um grande ativista do Software Livre foi o Aaron Swartz. Desde os 16 anos Aaron fazia contribuições em projetos de código aberto. Para ele, a informação e o conhecimento deveriam ser democratizados, para isso, o Aaron tinha um projeto chamado Open Library onde ele disponibiliza artigos científicos que tinham acesso restrito de maneira gratuita na internet. Por isso, Aaron sofreu perseguição da polícia e ficou preso por um tempo. Tem um filme muito legal sobre a vida dele no youtube que vale a pena assistir: The Internet’s Own Boy: The Story of Aaron Swartz

Dica para entender mais do assunto: Tem um episódio da série Explicando, da Netflix, sobre código de programação, 30 minutinhos e bem didático, recomendamos!

Links:

https://www.gnu.org/philosophy/categories.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Rede_social_livre

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Snowden: um resumão.

As revelações feitas pelo Snowden em 2013  impactaram o mundo imensamente. Resolvemos fazer aqui um resumão sobre essa história, pra que ela seja mais acessível a todas as pessoas. A intenção é que em 3 ou 4 minutos você leia esse texto e possa ter pelo menos uma noção do que aconteceu. Deixaremos aqui também referências para que você possa se aprofundar no assunto, caso deseje.  Bora lá?

Snowden, quem é?

O Snowden é um tecnologista que trabalhou para a NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos) e que decidiu vir a público com denúncias relacionadas à espionagem realizada pelos EUA. Ele fez essas revelações através da grande mídia, trabalhando junto do jornalista Glenn Greenwald em uma estratégia de publicação de documentos nos jornais The Guardian e Washington Post de forma a conseguir ter atenção global para o assunto.

Principais Revelações:

  1. A principal revelação do Snowden foi o programa PRISM. Snowden revelou documentos que mostram o acordo entre a NSA e as maiores empresas de internet do mundo: Facebook, Yahoo!, Apple, Google, Microsoft, PalTalk, AOL, Skype, Youtube. Esse programa permitia a coleta de dados diretamente dos servidores dessas empresas. 
    [no livro você pode ler como era a relação da NSA com essas empresas]

    Entender que a NSA tinha acesso direto aos servidores de 9 das maiores empresas de internet da época bem como a cooperação dessas empresas para com a Agência fez com que pessoas do mundo todo repensassem a forma como enxergam sua presença online. 
    Grandes discussões sobre o direito à privacidade também foram levantadas, já que essa espionagem fere o direito individual de milhões de cidadãos. 
  2. Além do programa PRISM, Snowden revelou documentos do programa STORMBREW, que prova a coleta de dados através da interceptação direta dos cabos de fibra ótica (falamos deles aqui, lembram?).

    Vale lembrar a problemática de que a maioria dos backbones, ou cabos transoceânicos, passam pelos EUA. O que favorece e facilita muito essa interceptação de dados, resultando em coletas de dados gerados em inúmeros países.

Esses dois programas juntos possibilitavam que a NSA cumprisse o seu objetivo, revelado também por Snowden, de “coletar tudo”.  

A grande justificativa para coleta de dados pela NSA era o anti-terrorismo. Com essas revelações, fica explícito que uma porcentagem importante dos programas não tinha nada a ver com isso, e que a NSA realiza(va) espionagem econômica, diplomática além de vigilância de populações inteiras sem qualquer justificativa para tal

“O governo dos Estados Unidos construíra um sistema cujo objetivo é a completa eliminação da privacidade eletrônica do mundo inteiro. Longe de ser uma hipérbole, esse é o objetivo literal e explicitamente declarado do Estado de vigilância: coletar, armazenar, monitorar e analisar todas as comunicações eletrônicas de todas as pessoas ao redor do mundo “. 

O bordão “coletem tudo” era usado pelo principal responsável pela operação da NSA, e no livro publicado pelo jornalista Glenn Greenwald (informações completas abaixo) é possível ver os slides criados com as estratégias para que “coletar tudo” se tornasse possível. 

Outros programas importantes que também foram revelados por Snowden:

3. Programa “Boundless Informant”: mostra como a NSA contabiliza com exatidão todas as chamadas e todos os e-mails coletados todos os dias no mundo inteiro. Em apenas trinta dias, a unidade coletara dados sobre mais de 97 bilhões de emails e 124 bilhões de chamadas no mundo inteiro. 

4. Projeto “Muscular”:  torna possível invadir as redes pessoais do Google e do Yahoo!

5. Projeto “Fairview”: parceria com uma empresa de telefonia para coleta de informações de chamadas telefônicas.

6. Aliança dos cinco olhos (“Five Eyes”): entre Estados Unidos e Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Esses países também fornecem/iam dados para a NSA.

7. A NSA também realiza espionagem diplomática, e um caso que ficou famoso foi de vigilância da então Presidente do Brasil Dilma Rousseff bem como da Angela Merkel e do Enrique Peña Nieto.  

O Snowden trouxe à publico inúmeros documentos que provam essas e dezenas de outras operações da NSA. Para saber mais recomendados o livro, que também foi fonte para escrevermos esse texto, “Sem lugar para se esconder” do Glenn Greenwald.


Impacto dessas revelações:

Mesmo antes desses documentos virem à tona, já era sabido que os EUA espionavam digitalmente outros países e pessoas. Os documentos provaram não só a veracidade do que já se desconfiava como também mostraram que os esquemas de espionagem eram ainda mais abrangentes do que se imaginava. 

Essas revelações levantaram importantes discussões sobre privacidade, e foram capazes de levar para a população em geral conhecimento sobre como os Estados Unidos e grandes empresas de tecnologia usam dos nossos dados para obter maior poder político. Em nossa visão, as revelações do Snowden, junto com as revelações feitas pelo WikiLeaks (pra saber mais clica aqui), foram centrais para se criar a visão e as políticas de privacidade de dados que vemos hoje. 

Além disso, através desses documentos pode-se enxergar como a vigilância de indivíduos tem um impacto político e econômico, e que a preocupação com vigilância na internet deveria ser de todos nós pois é algo que impacta a sociedade como um todo. 

Ao publicar esses vazamentos Snowden abriu mão de sua liberdade. Ele atualmente encontra-se em asilo político concedido pela Rússia e publicou recentemente um livro em que conta a sua história, a decisão de expor para o mundo o que era feito pelo governo dos Estados Unidos e também como ele encarou tudo que aconteceu depois disso.

“Argumentar que você não se importa com seu direito à privacidade pois não tem nada a esconder não é diferente de dizer que você não se importa com liberdade de expressão pois não tem nada a dizer”. Edward Snowden, tradução livre.

Dicas de Leitura:
-Sem lugar para se esconder, Glenn Greenwald
-Eterna Vigilância, Edward Snowden

Filmes e Documentários:
-CitizenFour
-Snowden: herói ou traidor?

[o que é] a internet?

É normal pensar na internet como uma rede mágica que nos conecta ao mundo através de um clique. Na realidade a internet é uma estrutura física de cabos enterrados debaixo do oceano  e que conecta os continentes. Esses cabos são conhecidos como Backbones ou Cabos Transoceânicos. A instalação destes cabos começou ainda no século XIX e foi  financiada pelo exército dos Estados Unidos.

A internet surgiu como uma estrutura que não precisa de um controle central e pode crescer à medida que novas redes se conectam à rede já existente, ou seja, a internet na realidade é uma rede de redes.

Os cabos transoceânicos transmitem dados (como esses que você está lendo agora) para centrais de distribuição que cobram taxas para que você possa se conectar à internet. Essas redes de distribuição são disponibilizadas pelas operadoras de internet e o que elas fazem é basicamente conectar os cabos que estão debaixo da terra com a sua casa ou dispositivo. Isso pode ser feito via cabo, wifi ou 3G.

Para ter uma ideia de como esses cabos fazem as conexões entre continentes, você pode dar uma olhada na imagem abaixo, e recomendamos entrar nesse site para ter uma melhor visualização.

(imagem extraída do site http://www.submarinecablemap.com)

Uma coisa interessante que talvez você note é que a grande maioria dos backbones passa pelos Estados Unidos, mesmo quando é necessário fazer um desvio de rota pra que isso aconteça. 

Vamos falar mais sobre isso nos próximos posts onde abordaremos questões de privacidade de dados e vigilância na internet. Mas já adiantamos o seguinte: não é por acaso que as maiores empresas de tecnologia como Facebook, Google e Amazon, se encontram fisicamente lá.
Hoje a Amazon é a maior empresa de tecnologia que existe e a maior parte da sua receita vem da hospedagem de serviços em seus servidores.

Então o que acontece quando você envia um e-mail utilizando o serviço do Gmail, por exemplo, para outra pessoa da sua mesma cidade? 

Ao clicar [enviar], os dados contidos no seu email são repassados através dos cabos para os servidores do Google que armazenam as informações contidas no email e enviam uma cópia para o destinatário. Dessa forma, serviços de e-mail como Gmail são intermediários dessa mensagem. Já que seu email é armazenado nos servidores do Google e posteriormente enviados ao contato que você selecionou. 

O percurso daquela informação até o servidor é o mesmo independente do destino do email. Ou seja: se você mora em Recife e enviou um gmail para alguém de Recife, ainda assim seu email irá até o local mais próximo onde o Google tem servidores, para depois ser enviado para Recife. Muitas vezes o trajeto será: Recife – Estados Unidos – Recife. 

Quando acessamos um site, a mesma dinâmica acontece: você digita no seu navegador que site quer acessar e ele te conecta com o servidor que armazena as informações que devem ser exibidas, bem como a forma como devem ser exibidas. E o mesmo ocorre nas redes sociais.

Para você acessar qualquer informação disponível na internet, existem intermediários: A operadora de serviços, os cabos transoceânicos, os servidores que armazenam sites e serviços e equipamentos físicos como modems e antenas que transmitem essa informação para o seu celular ou computador. E de vez em quando algum desses intermediários resolve mudar as regras: cobrar um valor mais caro, bloquear o acesso de alguns países, só permitir o acesso a alguns sites (ex.: Internet.orgem breve publicaremos um texto só sobre isso) ou coletar informações sem pedir permissão.

É importante entendermos quem são os intermediários envolvidos nas nossas comunicações usando a internet, pois isso nos ajuda a enxergar o grande número de empresas que fazem parte da nossa vida. Essa compreensão é importante especialmente nesse momento, em que a internet tem um papel central no dia-a-dia de muitas pessoas. Agora que você já compreendeu como a estrutura física da internet funciona, poderemos aprofundar em questões atuais envolvendo essas empresas que mediam nossas comunicações. 

A tecnologia não é neutra

Somos bem críticas em relação aos impactos atuais que as novas tecnologias trazem. E ainda assim, estamos aqui. Usando a internet e uma plataforma de distribuição para que nossas ideias cheguem até você. Isso porque acreditamos que a crítica é fundamental para que se possa evoluir. Por vezes descartando o que já existe, por vezes aprimorando e expandindo o que está dado.

Nós enxergamos os inúmeros benefícios, e, especialmente, os inúmeros potenciais que as novas tecnologias trazem. Somos otimistas, e por isso temos a convicção de que podemos avançar. Podemos usar a internet como ferramenta para a diminuição das desigualdades que vivemos, ao invés de perpetuá-las. Em realidade, podemos utilizar ferramentas tecnológicas para resolver problemas reais da vida dos 99%. 

Em 2019, 26 bilionários detinham o mesmo patrimônio que 50% da população mundial. Sim, 26 pessoas detêm a mesma riqueza que 3.8 bilhões de pessoas. E queremos falar sobre isso, pra que uma mudança seja possível. Esse gráfico mostra que a diferença de grana entre você que tá aqui lendo e o Elon Musk, é menor do que a distância do patrimônio do Elon Musk e do Jeff Bezos, dono da Amazon.

Criamos esse espaço pra que possamos falar sobre o preço que a sociedade paga pra que o Bezos possa ser um multi-bilionário. E também sobre monopólios na área de tecnologia, impactos sociais e ambientais de grandes corporações, a não neutralidade da tecnologia, solucionismo tecnológico e por aí vai. Queremos falar de tudo isso, dividindo o conhecimento que adquirimos trabalhando na área de tecnologia e também estudando política e economia. E aproximando de áreas como política e economia que, ao contrário do que muitos pensam, são áreas intimamente conectadas com tecnologia.

A gente obviamente não tem todas as respostas, mas temos dúvidas e questões que acreditamos que devem ser compartilhadas. Especialmente para que, aos poucos, possamos quebrar essa imagem que temos da tecnologia como algo mágico e sobrenatural, que paira sobre as nuvens e que precisa ser abraçada, amada e aceita, independente de qualquer coisa. (lembra até aquele livro do Arthur Clarke, o fim da infância). 

Decidimos ser as vozes dissonantes que ficam te lembrando que dos 7.75 bilhões de pessoas do mundo, 53% tem acesso à internet. Isso mesmo, só 53% das pessoas tem acesso a essa ferramenta que acreditamos que democratiza o acesso à informação. Essa ferramenta que de fato democratiza o acesso à informação – pra algumas pessoas. Os avanços tecnológicos, em geral, só são avanços pra quem pode pagar a conta.

Esperamos trazer textos que provoquem discussões e que pelo menos te façam repensar algumas certezas.Que te incitem a investigar e procurar respostas junto com a gente. Em especial, que te façam buscar a raiz dos inúmeros problemas que enxergamos: Porque só metade da população mundial tem acesso à internet? Como a tecnologia têm ajudado a aumentar a distância entre o mais rico e o mais pobre? Porque a área é dominada por homens? Porque celulares e computadores se destroem tão rápido? Entre tantos outros. 

 E que o que trouxermos aqui  te lembre, nesse tempo em criticar é tão mal visto, que a crítica é absolutamente necessária. É pelo olhar crítico que é possível ampliar, mudar rotas e progredir. 

No próximo texto: o que é a internet?